sexta-feira, 13 de junho de 2014

Ibicoara, Chapada de Diamantina - BAHIA

Chegamos à Chapada de Diamantina, Bahia. Em meio a pedras gigantes que podem ser monstros e trazer verdades, aniquilar medos, fazer conhecer-se, encontramos um circo da gaúcha Daniela e aí acampamos. O circo era nosso de manhã., e sozinha ali, como nunca havia estado, tive bons momentos.
No primeiro dia me deitei perto do baú cheio de estrelas e das roupas coloridas, lugar de fantasiar antes da cena, e ficava lembrando e fantasiando com a criança que tem dentro de mim, e lembranças da minha infância vinham. E deitada no chão do circo olhando a lona tão azul e amarela, penso como sempre fantasiei tudo. Fantasiei a ponto de fazer a minha vida uma fantasia, quase perdida em coisas irreais, sempre distraída. É como a poesia, um mar de palavras sem fim, como os sentimentos em mim e as fantasias da eterna criança. Enquanto isso, ele se esforçava nos malabares, brincadeira que requer vontade, tem que querer brincar! 
No segundo dia, já pude entender a criança que acordou no último dia tão desperta como um animal. E já logo cedo correu para o circo como um refúgio. Que bom poder nos refugiar no circo como uma criança, e fazer palhaçadas e perder a racionalidade. Passei ali a manhã bem livre, e pude entender que as crianças gritam por desejos de expressar-se com liberdade. Essas crianças que tem dentro da gente nunca vão morrer. Circo para todas elas! E as mesmas pedras gigantes que víamos cercando o circo tão vivas, agora me diziam que eu deveria voltar para minha terra, onde deixei uma família na época em que eu era tão fantasiosa. E quero presenteá-los com um pouco mais de consciência da realidade, e talvez estar madura para mim signifique isso: contato maior com a realidade, não perder-me tanto em intelecto, poesia, imagem, sentimento, sonho... Mas, me digam vocês: o que é a realidade, se não a ordem que a maioria impõe? Todos pensam que vivem livres. Mas faltam saltar de suas rotinas e perde-se como crianças livres em circos.

Também posso explicar essa minha irrealidade e a questão da necessidade do mundo físico da seguinte forma: Signos. O que o céu me responde da minha natureza terrestre no momento em que nasci: Sou peixes com ascendente em touro. Conto com a presença inquestionável das minhas forças do pensamento e do sentimento que o meu Sol em Peixes me dá, condenando-me a estar sempre na fantasia como só um bobo poderia. Mas minha ascendência em touro me dá forças para ser bem valente corporalmente, sensualmente, e outrosmente. Gasta-se gasta-se o intelecto e não se sabe o que fazer com tanto pensamento e sentimento. Malha-se malha-se o corpo e não se sabe o que fazer com tanta força física. Mas fui perceber tarde, essa necessidade do contato com a terra e com a realidade que os signos de água devem buscar, para não perder a noção do real.


Na Chapada de Diamantina, eu pensava novamente em voltar para minhas terras, me sentia perdida para continuar a viagem. A faculdade para terminar, as possessões materiais todas, a vida nomal, estar em sociedade com sã consciência e gostando de estar ali, a simplicidade de pertencer a um lugar e fazer parte da minha terra de novo. E foi numa cachoeira que vi toda a verdade sobre a partida. Dizem que em toda queda d'água há uma entidade que representa mudança, momentos de chegadas e partidas, como as estradas. Iemanjá, rainha das águas me guia. Por todo caminho cachoeiras me trouxeram verdades. 
Mas é preciso de uma força física maior que a força das águas. União da força física de um cavaleiro e eles me prometem um momento de voltar pra casa mais consciente das minhas escolhas. Falta algum tipo de força, além das águas, que desconheço. Amanhã saberei, pois vou ao terreiro, para pedir que essas forças me abençoem para decidir e conquistar o que é meu, meus dons e virtudes, que sempre há de se conhecer e buscar.

No terreiro, no dia seguinte, vi que sou Iemanjá, rainha das águas.

Sou cigana da mesa branca, Jussara. O que busco é a liberdade, mas também sou do amor, do bem, e o lar me chama. A família, os amigos.Os búzios mostraram que todos os caminhos estão fechados para mim, agora. Mas tirei as cartas e saiu Xangô e Oxalá, e eles mostraram o caminho das lutas, que eu precisava encontrar para acrescentar à força de Iemanjá. E enquanto sou cigana, Pedro é índio, pelo que ele tirou das cartas.


Pra Bahia - Vitória da Conquista -fevereiro 2014

"Vitória" da "Conquista", o próprio nome já diz sobre a falsa consquista. Morreu muito negro e muito índio aqui. A avó de um amigo foi enlaçada direto do cavalo, ele conta. Você chega na Bahia e já enxerga uma cultura bem negra, é impressionante.
Em Vitória você ia na feira e tinha uma fartura de fruta, isso não faltava não. Umbu, cupuaçu, fruta-do-conde, água de côco baratinha, caldo de cada à mangueio, e a melancia era só um real. Se pedisse, eles davam na boa.
Tinha capoeira, numa roda que a gente mesmo fez na feira, e eu joguei com uma menina, uma dessas bem esperta, que dizia "ôxi" adoidado, e tava ali na feira todo domingo trampando com a mãe dela. Ela pegou o cavaquinho, não sabia tocar nada, e fez alta composição de um funk que ela tinha feito pra mãe dela, mulher solteira que tava ali na feira ganhando a vida, com os filhos que eram muitos. E na capoeira sua filha queria me bater, descontando tudo na luta. Era esperta, a guria. E depois queria que a gente fosse visitar ela na sua casa. E ficava me implorando. "Ôxi..." mas era bem longe e a galera não animou.
Em Vitória também tínhamos outro companheiro, o Marcos, que trampava no semáforo. O cara tinha tido um passado complicado. Não tinha um dos braços e colou na nossa, tocando o chocalho onde a gente ia e sempre arrumando uns bagulhos pra gente fazer. Todo dia dizia um monte e agradecia pela companhia, que fazia muito tempo não tinha. Um dia emprestamos a barraca pro cara e ela voltou toda quebrada, mas é claro, ele não tinha condição de montar sozinho.
Mas Marcos dava vontade de viver, não sei se pelo passado que o cara tinha, mas era sempre aquele que ia até o final nos assuntos, se mostrava interessadão, comia até a última garfada de tudo que a gente dividia, e sempre e fazia questão e dividir com a gente. Um dia um restaurante japonês em que tocamos na porta pagou uma comida pra todo mundo junto, um alto banquete, com direito a sushis, yakissobas e sucos naturais, além dos pratos da casa, e foi o dia que ele mais virou comparsa nosso.
O meu aniversário também passei em Vitória da Conquista. Eu, Pedro, Marcos e Matias, Lembro dos últimos 20 minutos, nós quatro sentados na calçada esperando por um pedaço de pizza que tinham nos prometido numa pizzaria, e que não nos deram. Mas antes disso aí tinha conseguido já dois acarajés por conta da data.

"Flor de Maracujá
No ritmo do maracatu
Chuvinhas leves
Na vitória da conquista

Sertão com chuva
Combinação de fogo e água
Molha esse amor
Pra nascer tudo de novo"
(Amanda e Pedro- música)

De volta às terras -janeiro 2014

26/01 Voltei para casa e tive contato com tudo novamente.
Até que pontos os amigos estão para te ajudar e até que ponto empacam sua vida? Ao te julgar...
Viver na cidade é estar sempre á mercê do que vão dizer.
Cria-se uma personalidade, e esperam muito de você.
Insônia na antiga e caótica Casa Absurda,
Lotada de amigos e ao mesmo tempo tanta gente que desconheço.
Punks. Caos.
Quero a realidade da roça e da mata.
Respirar ar puro.
Pensar com calma.
Estar sã na natureza.

(Neste dia teria ido à cachoeira com Ronan e no outro Estevão nos levaria ao MST em Juiz de Fora)

27/01 Dias 27: "São dias em que os deuses se reúnem para mandar bênçãos para a terra."
Hoje cheguei na roça do meu pai e fizemos planos para viajar todo o nordeste do Brasil, da Bahia ao Ceará!!! O velho comprou um carro e me pede algum tempo para juntar a grana pra viagem. Diferente de ontem, hoje o amor e família me mostram que com precaução e ajuda mútua de todos se pode conseguir um resultado melhor de uma estrada, de uma viagem, de uma vida.
A família antes dos amigos? Ou apenas os amigos que são realmente família...
E Pedro diz que me acompanhará nas decisões que eu tomar.
Me sinto doce e sinto o mel das companhias. Planos infinitos.
Vamos seguindo com calma.

01/02 Há momento em que os complexos familiares me aterrorizam,
há outros em que me sinto tão amada que sinto que eu posso voar.
A família tenta me influenciar e mudar a minha visão, minhas escolhas.
Perguntam se lembro de tal coisa, tal pessoa... Querem saber o quanto estou antenada.
Talvez antes estivesse mais desligada da realidade, mas hoje me abro mais.
É preciso viver a realidade comum antes de tudo.
"Olha só, olha o sol... O perigo nas ruas, o brinquedo, menino... A morena do rio..."
Canto bem alto ao pedalar pela cidade e quero tirar todos de suas casas. Vou à piscina, pedalar, vou à pedra redonda, à feira, dar rolés...
"É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte..."
Agora piso por aí com decisão e vou tomar um café com os companheiros.

Pedra Redonda, Ubá 2014
"Debaixo da melhor sombra do mundo"

Chupamos manga ubá doce e nativa na cidade mais quente
Debaixo da melhor sombra do mundo da mangueira da casa da minha tia
Até nos fartarmos, como duas crianças - com as mãos escorrendo, amarelas -

E depois subimos a pedra redonda e estamos bem pertinho do sol
Abaixo vemos as casas e as pessoas que se escondem em suas sombras (São seus lados sombrios)
As nuvens que fazem sombra nas florestas e as árvores que fazem sombra para nos proteger.

Acima da pedra o ombro queima, a pele pede, a sede toma
E há uma única sombra de uma cruz que tá pregada lá
Eu me deito e a cruz tampa os meus olhos do sol num ângulo certo-perfeito.

Tudo bem que faz um calor da porra aqui,
mas sou mais a liberdade de um sol que queima ou de uma sombra de árvore no meio do caminho
que a sombra das casas, ou mesmo a religião tapando os meus olhos.



Argentina - de Buenos Aires à Patagônia

Fizemos esse trajeto por volta de um mês conhecendo a Argentina, de Buenos Aires ao sul do país, e a medida que íamos descendo, as paisagens iam se diferentando: longas estradas sem moradores, cidades bem distantes. Os motoristas pareciam gostar de dirigir ali, mas me parecia bem fácil de dormir, na verdade.
Viajávamos ora eu e Pedro ora em caravana com os amigos do circo, e íamos a uma convenção circense em El Bolsón, que foi cerca de uma semana dentro da mata, acampando. Havia uma natureza bem virgem na patagônia e as águas que corriam nos rios era limpíssima, de um azul bem vivo. Um dos caminhoneiros até parou a viagem e nos convidou para que mergulhar em um lago no meio do caminho, e perto do lago havia um heremita vivendo ali, dizia que se mudou pra esse cenário calmo e natural depois que perdeu a sua mulher.
Outra carona que pegamos, dessa vez com os amigos que tavam junto, era na parte de trás de um caminhão que levava bois, mas no momento tava vazio, e íamos nos sacudindo como animais numa viagem que durou dois dias. Junto com a gente tava a Flor, una porteña que tocava el acordeón mui bien para nosotros todos, o Vini que era brasileiro e levava junto o monociclo, a Tuck com as claves, e em Bariloche estava nos esperando a Consuelo e o Matheus, que é uma argentina e um brasileiro que tavam com a gente.
O plano era seguir mais pra baixo pela patagônia e chegar até Ushuaia, a Terra do Fogo, mas os amigos continuaram a viagem depois da convenção, passaram depois por Chile, alguns foram pro Peru, outros já voltaram à Argentina, sabe-se que o caminho é sempre imprevisível, não? E eu e Pedro resolvemos voltar ao Brasil pras nossas terras, pelas dores nos rins que ele tava sentindo, chegou a ter um ataque enquanto acampávamos na convenção e passamos alguns dias no hospital, com um frio do cão que fazia a gente mais desistir que enfrentar as situações.
Então voltamos, eu também me animei a rever as minhas terras logo que ele falou em voltar, às vezes creio que voltamos mais porque eu aceitei e desejei depois o regresso do que pelas dores que ele sentia. Fazia cerca de 6 meses que não voltava pras minhas terras.
Fizemos todo o percurso de ônibus, parte pagando pela passagem e outra parte com o dinheiro que conseguimos no Consulado Brasileiro de Buenos Aires, ao mostrar os exames médicos e dizer que éramos brasileiros viajantes e queríamos voltar, mas não tínhamos todo o dinheiro.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

2014: Ano Novo em Colonia del Sacramento e buquebus pra Buenos Aires

De Montevidéu fomos para Colônia del Sacramento, onde passamos o nosso ano novo. Agora já era o primeiro primeiro dia do ano e o começamos fugindo do hostel onde passamos a noite da virada apenas pra deixar as bagagens e não ter que pagar.
Em Colônia del Sacramento há um porto bem burguês onde se toma o barco pra Buenos Aires. Tentamos descolar de fazer um som no barco, mas era praticamente impossível até falar com alguém da empresa Buquebus. E enquanto uma grande fila de gado humano esperava debaixo de um ar condicionado sufocante num prédio todo branco, com a passagem caríssima comprada pra atravessar uma bahia que nem é tão grande assim, que é a Bahia de la Plata, nós preferíamos cruzar de carona (ou de barco privado ou por terra mesmo) para não ter que dar dinheiro a essa gente que constrói portos terrivelmente burgueses em lugares naturais e tão bonitos e extorquem toda a gente. Mas a cidade de Fray Bentos onde há uma fronteira entre Uruguai e Argentina era bem longe, para ir por terra, e também tentamos conseguir uma carona em barcos privados, mas isso foi ainda mais difícil.
Então desistimos de ser revolucionários e gastamos toda a grana que tínhamos, que já não era muita, com as passagens de buquebus, que era mais ou menos 130 reais pra cada um. E embarcamos naquele barco todo fechado, com janelas que não abriam, e um baita shopping no centro do barco, onde pessoas entravam e saíam mais uma vez como gado humano para comprar e comprar e comprar...
Nos sentamos numa mesa por ali e começamos a tocar nossa música, no início como quem nada quer, e depois, quando todos foram se amontoando para assistir, continuamos com toda energia e quando dei por mim, todo o barco nos observava, encantados. Haviam muitos brasileiros entre os tripulantes ali, e parecíam emocionados, por estarem fora de casa e escutarem um sambinha bom. Enquanto estivemos em Colonia del Sacramento e tocamos pelas ruas, também foi fácil descolar um dinheiro porque haviam muitos brasileiros, e no barco não foi diferente. Essa foi a vez em que mais gostei de tocar, tanto por ter quebrado um paradigma dum lugar frio como o Buquebus quanto pelas pessoas que pareceram nos retribuir com muitos sorrisos e agradecimentos. No meio de toda aquela gente tiramos muitos sorrisos. E a nossa gorra saiu rica das mãos daquela gente que só sabia comprar.

Natal em Montevidéu, Uruguai

Agora estamos em Montevidéu e livres dos acontecimentos estranhos que pareciam nos perseguir. Esses acontecimentos pareciam me testar e com eles aprendi que devia ser muito, muito mais esperta diante daqueles que não conhecia, e duvidar do que me aparecia no caminho. E eu e Pedro resolvemos conversar e serviu pra que nos abríssemos mais, ao analisar o que nos passava e expor as nossas idéias. A partir de Montevidéu foi tudo mais tranquilo, sem grandes perigos e aventuras na babilônia. Mas Montevidéu nem é tão grande assim, a capital tem apenas 1 milhão e meio de habitantes. Lá ficamos na casa de Ignacio - que conhecemos pelo couchsurfing - que é um site criado para hospedar viajantes por todo o mundo - e foi onde passamos o nosso natal.

"... E enquanto eu observava aqueles quadros na parede tão vazia com retratos de pessoas que eu desconhecia num país que não era o meu, me lembrava da família e de todos os natais passados, rememorando. Fui me afundando no sofá com um sentimento infinito de solidão, me perguntando o quê estava fazendo ali. Foi quando uma voz me chamou da sala de jantar.
Ali estava me esperando para a ceia ele (o Pedro) e um casal de colombianos que moravam com Inácio e com quem passamos a data festiva. Eles se mudaram da Colômbia pra lá e viviam juntos. Eram bem informados e estavam decididos da idéia de deixar a Colômbia, que é o país com o maior número de emigração por problemas sociais. Eles nos contavam sobre as FARC e a situação crítica das terras de lá. Ao mesmo tempo tão realistas, éramos também dois casais sonhadores cozinhando para o nosso Feliz Natal e junto com a gente ainda tinha o cachorro da casa, que mereceu um prato da  ceia só pra ele, porque afinal era Natal e reinava o espírito de família. E depois de comer fomos ver os fogos de artifício com os vizinhos desconhecidos, e caminhamos pelas ruas com o cavaquinho, um pandeiro e uma gaita, e cantávamos na frente das casas e dávamos Feliz Natal a gente estranha que comemorava em família. No fim, ainda conseguimos encontrar uma única conhecida de todos (além do Ignacio dono da casa, claro) que era a menina que trabalhava na padaria, e ela nos convidou e fomos à casa dela bailar o reaggetown no quintal com o seu irmão, e também tinha a sua mãe, que passava aquele natal sentada na cadeira sem falar muito."

quinta-feira, 22 de maio de 2014

"Eu quero ver gente lambendo as latas, comendo os farelos, farejando as sacolas. Eu quero ver coisas reais, desejos reais, e as pessoas disputando os últimos pedaços de pão. Gente que deseja de verdade. Os desejos são tão reprimidos, gordos que não aceitam comida quando lhes oferecem, e preferem comer sozinhos. Guardam em seu interior um desejo de morte, uma raiva, que é descontado na solidão. Devemos aprender a estar cada vez mais tranquilos com nós mesmos, a estar sozinhos. Quando me sinto bem na minha companhia, aí sim. E quando estiver perto dos outros animais, meus irmãozinhos, quero mostrar todas as minhas garras afiadas da sobrevivência selvagem."